Dez anos após a eclosão do escândalo, outros ângulos da história foram
revistos em um livro reportagem e biografia do
médico que, pelo bem e pelo mal, continua famoso no Brasil.
A intenção do livro é mostrar outras versões das histórias que compõem o
caso e fatos até hoje desconhecidos do escândalo e da vida de Abdelmassih. O
livro dá detalhes documentados da guerrilha anônima que iniciou a derrocada do
médico na Internet, desde o início de 2007, com o conhecimento de jornalistas
famosos.
As falhas da grande imprensa, que publicou fake news biológicas e outras
informações sem a devida checagem dos fatos ou dos depoentes. Os depoimentos incoerentes
de mulheres que ficaram famosas como vítimas – e as diferentes versões dos
abusos relatadas à delegada, à juíza e à imprensa. O livro contém provas
impressionantes das mentiras de ex-pacientes que denunciaram o médico por
estupro.
Claro que o trabalho investigativo de Angela Tucker será taxado – mesmo
antes de ser lido – de quixotesca tentativa de defesa do médico, ao que a
autora responde: “tudo está documentado,
eu não coloco a minha opinião, apenas informações que podem ser checadas online
e em documentos. Agora, se essas informações favorecem o doutor Abdelmassih, se
colocam dúvidas a respeito dos fatos que o condenaram, eu não posso fazer nada.
Eu só juntei as coisas em um mesmo lugar”.
As fontes de informação são várias, começando pelas observações da
jornalista, que trabalhou com o especialista em reprodução humana, como
assessora de imprensa, por quase 20 anos – entre idas e vindas. Foi ela que
ajudou a criar a fama do médico e o acompanhou na derrocada.
Entrevistas com ex-funcionários e médicos que passaram pela clínica de
Roger, jornalistas, amigas das vítimas famosas, muita pesquisa na internet,
acesso a documentos judiciais também fazem parte do acervo de informações que
compôs o livro ‘Tudo por um Monstro’.
O título é uma ironia: o primeiro livro de Roger Abdelmassih, que
explicava o que a ciência da reprodução podia fazer pelos casais inférteis,
chamava-se ‘Tudo por um Bebê’. Esse livrinho de 150 páginas teve uma leitora
famosa, que provocou uma revolução na especialidade e levou Roger a ser o
médico das estrelas. A leitora foi Assíria, então esposa de Pelé.
Entre as tantas fontes do livro, uma preciosidade: o manuscrito
intitulado ‘Minhas Várias Vidas’, que Roger Abdelmassih escreveu na prisão. A
letra caprichada do companheiro de cela, a quem o médico ditava as frases,
preenche as 160 páginas do caderno. Este documento serviu de base para contar
várias histórias da vida pessoal de Roger Abdelmassih e seus momentos nas
prisões.
Gravações de entrevistas realizadas com Roger, de agosto de 2005 a
janeiro de 2006, para escrever a biografia do médico, também serviram para compor os capítulos de
sua vida pessoal, relatada em paralelo com o histórico do escândalo – desde o
início, na calada da internet, até às diversas explosões na imprensa. Devido ao
estado de saúde de Roger, poucas foram as oportunidades de ouvi-lo, mas
Larissa, sua esposa, colaborou com muitos relatos e documentos.
Os depoimentos das acusadoras foram coletados das entrevistas que deram
na imprensa, nas mídias sociais e em juízo. Apenas uma das denunciantes foi
entrevistada, a única cujo relato foi coerente nesses 10 anos de divulgação do
escândalo. O livro reúne centenas de referências bibliográficas, em quatro idiomas,
sobre aspectos científicos, médicos, psicológicos e criminológicos que envolvem
as denúncias que condenaram Roger.
Desde 2005, Angela Tucker queria escrever a biografia de Roger
Abdelmassih, a quem ela considera um personagem muito interessante, “um sujeito que não passou desapercebido na
vida, um monumento de incoerências, ia da generosidade aos rompantes de soberba
em minutos, um homem tão carinhoso quanto déspota e um campeão da ansiedade”.
A autora sabe que a polêmica será grande: “eu sei que vou ser criticada mesmo antes de ser lida, mas sei também
que muita gente está esperando ouvir o outro lado dessa história que não é
feita de um único escândalo”.
Alguns trechos do livro:
A defesa de Roger levou testemunhas que acompanharam o caso Luxxxxx e anexou
ao processo alguns dos bilhetes, as fotos sorridentes quando grávida, fotos dos
trigêmeos e até o convite para a apresentação de ballet da filha mais velha.
Quase três anos depois do(s) estupro(s), Luxxxx ainda mandava notícias dela e
das crianças, pedia desculpas a Roger, reclamava educadamente por não ter a
atenção do médico e levava presentes. Quando a juíza lhe perguntou sobre a
autoria dessas cartas e dos bilhetes, ela ficou chocada, tentou negar, começou
a chorar e disse: ‘é porque eu fui vítima de estupro e eu queria chamar a atenção dele para que ele me pedisse desculpas’.
Trecho do capítulo ‘Atração Fatal”
“Eu não invento, eu não ponho florzinha, ele foi
julgado e condenado, mas não é por isso que eu vou inventar coisas que ele
tenha feito comigo, ou com uma pessoa que não quer se identificar, só
para que ele fique pior, ou que aumente a pena. Nesse ponto eu sou justa, não
posso fazer isso, mas sei que muitas fizeram.”
Depoimento
de uma das vítimas de Abdelmassih
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